segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

As Loucas Aventuras de Gilda em Paris

Quem acompanha a coluna desde o seu início, ainda no Jornal do Brasil impresso, há mais de dois anos, sabe que poucas vezes ocupo este espaço com assuntos de caráter pessoal, acho-o mais apropriado para contar histórias sobre Paris, outras cidades da França ou mesmo sobre outras cidades européias, especialmente suas curiosidades, sua gastronomia, seus monumentos e seus costumes.

Em meados de 2010, logo após o João Manoel, meu filho, ter voltado ao Brasil para terminar seus estudos, minha mulher e eu resolvemos que seria melhor trazermos a Gilda, minha sogra, para vir passar uma longa temporada conosco a fim de fazer uns ajustes para que sua vida “entrasse nos trilhos” e que tivesse uma nova chance de recomeça-la em novos ares.

A Gilda, para quem não conhece, é viúva há 25 anos e tem duas filhas: uma é a minha mulher e a outra é a Renata, que há cinco anos mora em Boston, onde é pesquisadora em Harvard, sem planos para voltar ao Brasil – ou seja, seus tesouros, como chama as meninas, estavam muito longe e pior, em dois continentes distintos.

Cumprida toda a parte burocrática junto ao Consulado Geral da França no Rio, seu pessoal sempre justo e atencioso, expediu um visto de “long-séjour”, válido de 31/12/2010 até 30/12/2011 e assim ficamos todos felizes e faltava pouco para que ela viesse nos fazer companhia, já estava com seu apartamento no Rio alugado, procurações para os advogados em dia e tudo o mais.

Um mês e meio antes de embarcar ela foi fazer exames de rotina e descobriu um problema de saúde que a fez adiar sua vinda por mais de 10 meses, mas que, com a graça de Deus, foi contornado e controlado em tempo.

Minha sogra é um amor, mas apreensivo com a sua iminente chegada, dois filmes não me saíam da cabeça: o primeiro com o Tom Hanks, O Terminal e o segundo, com o Louis de Funès, As Loucas Aventuras de Rabbi Jacob – e pensava nestes filmes sem parar.

Então, ao final de setembro passado, a Gilda finalmente embarcaria para cá mas, no lugar de ficar um ano como havíamos planejado, ficaria cerca de 4 meses para, segundo ela, fazer um reconhecimento da área.

Como diria o Ricardo Amaral, pano rápido.

Passeava com os cães na sexta-feira, 23 de setembro, por volta das 20h00 da noite (o fuso nesta época é de +5h) quando recebo um e-mail dizendo que seu vôo havia sido confirmado para às 19h00 – fiquei apavorado, pois afinal havia sido eu quem tinha comprado para a saída das 16h20.

E, para piorar, o e-mail dizia que era para aquela sexta-feira, 23 e nós aqui em Paris só a esperávamos na manhã do domingo, o que queria dizer que para nós ela só embarcaria no sábado.

Telefonemas para a Air France no Brasil, para a família no Brasil e descobrimos duas coisas: a primeira é que ela havia perdido o vôo das 16h20 e a segunda é que sua passagem sempre fora no dia 23, com chegada no sábado dia 24.

Moral da primeira parte: se ela não houvesse perdido o vôo das 16h20, não receberíamos o e-mail da Air France e ela ficaria no sábado, 24, como o Tom Hanks no filme acima, pois só a esperávamos no domingo, 25.

Bom, é claro que ela poderia ter ligado dizendo, “olha, já estou saindo para o Galeão, querem algo?”, mas quem a conhece sabe o quanto ela é desligada e, por pouco não fica 24 horas no Charles de Gaulle, vagando pelos terminais, como o Tom Hanks, sem ter como nos telefonar.

Novamente chamo o pano do Amaral.

Por força de seu tratamento, a Gilda perdeu boa parte da sensibilidade nas mãos e nos pés, o que fez com que ela caísse e machucasse um tendão de seu braço direito, impossibilitando-a de fazer quase todos os movimentos, o simples ato de beber água era extremamente doloroso.

Como somos previdentes, o seu seguro de viagem pagou seu tratamento, consultas, medicamentos e fisioterapia no Hospital Americano de Paris, o que há de melhor por estas bandas – falo por experiência própria, volta e meia me vejo lá na emergência.

Aí me vem o segundo filme, quando Louis de Funès, já disfarçado como o Rabbi Jacob, começa a falar na Rue de Rosiers para uma platéia de comerciantes e moradores judeus do Marais sem saber uma palavra do que está falando, cumprimenta a todos pelos nomes das vitrines, "Cher Levy", "Cher Israel", até que vê uma que está escrito “kosher” e manda, “Cher Kosher” e aí todos ficam perplexos.

Foi super engraçado ver a Gilda se virando por aqui, com seu francês se recuperando aos poucos.

Mas o melhor de tudo foi ter tido a chance de conviver, mesmo que poucos meses, com uma pessoa especial, do bem, carinhosa, inocente, um pouco cabeça-dura e teimosa, mas que hoje, apenas dois dias após ter voltado para o Rio, já estamos com saudades.

Moral da segunda parte: há sempre lugar em nossos corações e nas nossas casas para pessoas de bem (mesmo em se tratando de uma sogra!).

Gilda, volta logo, seu lugar é aqui conosco.

Veja aqui o trailer do filme:http://www.youtube.com/watch?v=IqgzXQ3b0nU

Veja aqui o filme completo:http://www.youtube.com/watch?v=LtI-9xEnTiE


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