quinta-feira, 28 de julho de 2011

A Mão de Deus e a Mão do Homem

Nada me tira da cabeça que a atual proximidade do carioca com o parisiense tem algo místico, algo de destino.

Afinal, dez anos antes da fundação do Rio em 1565, fomos invadidos por franceses capitaneados por Villegagnon – que instalou na Guanabara a França Antártica, onde resistiram até 1567, dois anos após a cidade ter sido fundada por Estácio de Sá.

Os franceses voltaram a interferir em nossa História em 1808, durante as Guerras Napoleônicas, quando forçaram a corte portuguesa a fugir para Brasil, então sua colônia, elevando o Rio à condição de Capital do Reino de Portugal e dos Algarves, para em 1815 se tornar a Capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, após condução do Brasil a parte importante do Reino.

Mas vamos deixando o misticismo e a História de lado e ir logo para as Mãos do título.

Por força do trabalho de meu pai e, depois, do meu, sempre viajei muito e pude ter a sorte de conhecer muitas cidades pelo mundo todo, e em nenhuma delas sinto tanto a Mão de Deus e de sua Criação como no Rio de Janeiro.

 No Rio temos o verde dos parques naturais, como o da Pedra Branca, que abriga a maior floresta urbana do mundo, e o da Tijuca, com suas grutas e cachoeiras.

Temos a Baía da Guanabara, com seus insistentes golfinhos e suas ilhas, temos as lagoas, como a Rodrigo de Freitas, a da Tijuca, a de Marapendi e de Jacarepaguá, e ainda temos o contraste das pedras, como o Pão de Açúcar, Corcovado, Gávea e Dois Irmãos, com o brilho das areias das trinta e cinco praias e do seu litoral que conta com mais de cem ilhas e uma restinga, a de Marambaia.

E, por pura “covardia” Divina, temos um céu maravilhoso e um povo charmoso e encantador.

De forma inversa, Paris encanta porque nela sentimos a Mão do Homem, que pegou uma cidade quase sem natureza e a transformou na Cidade-Luz, um museu a céu aberto onde – a partir de sua reforma entre 1851 e 1870, levada a cabo pelo Barão Georges Eugène Haussmann, então Prefeito de Paris (que culminou por editar leis de posturas urbanas que têm vigência até os dias de hoje) – surgiu essa uniformidade nas ruas, com as características quase únicas em toda a cidade, os pequenos prédios com suas mansardas no último andar, lojas no térreo, varandas e grades nos andares intermediários.

Esse “urbanismo monumental” que Haussmann empreendeu é que transformou Paris no que ela é hoje: elegante, soberba e, talvez, até eterna.

A grandiosidade dos bulevares, das obras de infraestrutura como canais, esgotos e adutoras, parques, monumentos, feitas para suportar décadas de crescimento populacional, botando abaixo centenas de prédios e realojando milhares de parisienses, destruindo bairros por inteiro.

E ainda com uma curiosidade: como revoltas eram comuns naquela época, os grandes bulevares foram desenhados em formas quase retas, de modo a garantir uma rápida disposição de tropas que sairiam de seus quartéis ou das inúmeras gares de então.

Para se ter uma idéia do que foi feito pela Mão do Homem naquela época: a Via Triunfal e sua “sequência monumental”, sem par em todo o mundo, desde a Île de la Cité, passando pelos jardins do Louvre em direção aos das Tuileries e à Place de la Concorde, subindo pela Avenue des Champs Elysées até a atual Place Charles De Gaule/de l’Etoile e suas doze avenidas em forma de estrela, contando com a própria Champs Elysées, mais as avenidas de Wagram, Mac-Mahon, Carnot, de la Grande-Armée, Foch, Victor-Hugo, Kléber, d'Iéna, Marceau, Friedland e Hoche, e ainda os Parques como Bois de Boulogne e Bois de Vincennes.

Isso tudo sem falar no que foi feito antes e depois: a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo, o Obelisco de Luxor, as Catedrais de Notre Dame e Sacre Couer, o Beaubourg, o Panthéon, o Hôtel des Invalides, a Conciergerie, as Igrejas como Madeleine, St.-Chapelle, St.-Germain-des-Prés, St.-Sulpice, o Hôtel de Cluny, os Palácios do Louvre, de Luxembourg, as Praças Vendôme e des Vosges...

Então, como uma cidade deve sua beleza a Deus, e a outra, ao Homem, sinto-me livre para amar as duas, cada uma ao seu jeito único, peculiar.





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