terça-feira, 14 de outubro de 2014

Jornada de 35 horas semanais divide trabalhadores e patrões na França

Frédéric Dutertre e Maryse Quertier têm opiniões opostas sobre a discussão em torno de mudanças na lei de 35 horas semanais na França Foto: Fernando Eichenberg
Frédéric Dutertre e Maryse Quertier têm opiniões opostas sobre a discussão em torno de
mudanças na lei de 35 horas semanais na França. Foto de Fernando Eichenberg, do O Globo.
O jornalista correspondente Fernando Eichenberg, de O Globo, publicou no último domingo (12), uma boa matéria sobre as difíceis relações trabalhistas entre patrões e empregados quando confrontados com a possível mudança na jornada de trabalho de 35 horas semanais. Abaixo reproduzo e recomendo a leitura, segue o texto:

"A cabeleireira Maryse Quertier, de 54 anos, trabalha 39 horas semanais num salão em Paris. Por isso, tem direito a dois dias de folga extras por mês, a chamada RTT (redução do tempo de trabalho), prevista na legislação francesa. Ela é a favor da lei de 35 horas semanais — em vigor desde 2000, mas questionada em momentos de crise —, embora avalie que o objetivo principal da medida, o aumento do número de empregos no país, não tenha sido cumprido:

— Mudar a lei e aumentar a carga horária não vai mudar isso. Não será bom para os franceses e nem para o país.

Seu patrão, Frédéric Dutertre, de 43 anos, proprietário do salão, não é da mesma opinião.

— Sou obrigado a trabalhar 50 horas semanais para compensar. Não tenho condições de contratar mais um empregado e, como o horário de trabalho dos meus funcionários não é suficiente para manter o salão, tenho de trabalhar mais — diz Dutertre, que emprega quatro pessoas.

CUSTO DE PRODUÇÃO ALTO

Uma recente pesquisa de opinião reforçou os argumentos dos opositores da lei. Sondagem do instituto Odoxa mostra que 61% dos franceses são a favor de uma revisão da lei de 35 horas no sentido de adaptar o tempo de trabalho ao tamanho e ao setor das empresas. Entre os entrevistados do campo conservador, o índice alcançou 74%, mas surpreendeu a porcentagem entre os simpatizantes da esquerda, de 56%.

Desde sua entrada em vigor, em 1° de janeiro de 2000, a lei se tornou alvo de debate na França. Hoje, a legislação, criada como uma conquista social do governo do primeiro-ministro socialista Lionel Jospin, volta a ser contestada, considerada entrave à competitividade das empresas e ao crescimento econômico do país.

O economista Christian Saint-Étienne, autor do livro “França: estado de urgência”, defende o fim da imposição:

— A França sofre com as 35 horas, que nos levou a um dos custos de produção mais altos da Europa. Nosso problema maior é a combinação de fatores: o alto custo do trabalho e a rigidez do mercado de trabalho.

Para ele, as reformas promovidas desde a criação da lei foram superficiais, e são necessárias alterações mais profundas:

— Hoje, três quartos da população ativa com emprego estável trabalham 35 horas semanais. Não se trabalha o suficiente no país. Para sair da crise, a França precisa de investimentos em inovação, e com o trabalho custoso e rígido, isso não vai ocorrer.

O governo do socialista François Hollande reavivou o debate. Antes de assumir o Ministério da Economia, em agosto, Emmanuel Macron já havia apontado aspectos negativos da lei. Uma vez no cargo, viu-se obrigado a amenizar suas declarações, mas manteve aberta a possibilidade de mudanças na legislação.

— Não se trata de criticar as 35 horas em si, mas de tentar ser inteligente e concreto para satisfazer a vida das pessoas. Há empresas em que as 35 horas são uma boa coisa, com as quais as pessoas convivem bem. Para outros setores e categorias, elas não parecem adaptadas hoje — admitiu Macron recentemente.

PROPOSTA DE ATÉ 44 HORAS

A lei das 35 horas não se revelou crucial na criação de novos postos de trabalho no país, que tem taxa de desemprego na faixa de 10%. Em sua nova proposta para criar “um milhão de vagas” em cinco anos, o Medef, organização patronal francesa, inspirou-se no sistema britânico, no qual o tempo de trabalho é negociado em acordos entre patrões e empregados. A legislação já foi flexibilizada por uma série de medidas no governo de Nicolas Sarkozy — alcançando médias anuais de 39,5 horas, como em 2011 —, mas Pierre Gattaz, presidente do Medef, sugere que o limite chegue a 44 horas semanais. O Medef quer a supressão do limite legal do Código de Trabalho e o estabelecimento de remuneração de 25% a mais das oito primeiras horas trabalhadas além das 35 horas.

Os sindicatos franceses reagiram pressionando o governo e criticando os empresários.

— Os assalariados têm necessidade de garantias, e a garantia para a convivência é ter um Código do Trabalho. O código é fruto de uma relação social, questioná-lo sistematicamente provocará consequências — alertou Thierry Lepaon, presidente da Confederação Geral do Trabalho (CGT).

O sindicalista destaca que os empresários receberam generosos auxílios do governo para efetuar a passagem das 39 horas para as 35 horas semanais.

“Não se toca nos totens do progresso social”, defendeu, por sua vez, o presidente da Assembleia Nacional, o socialista Claudio Bartolone. Já o grupo parlamentar dos ecologistas disse que a mudança seria “total inépcia”.

Para o empresário Dennis Jacquet, presidente da associação Estimular o Crescimento, “nem todo mundo usa o mesmo jeans”, e o assunto deve ser negociado entre patrões e empregados.

Os presidenciáveis da União por um Movimento Popular (UMP), principal partido de oposição, anunciaram que se a direita voltar ao poder elegerá como prioridade o fim das 35 horas.

No vaivém do debate, o pesquisador Philippe Askenazy, da Escola de Economia de Paris, diz que é hora de voltar a “uma ideia simples”: o tempo de trabalho é uma dimensão essencial das condições de trabalho, da saúde e do desempenho dos franceses, não um “indicador ideológico”."

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