terça-feira, 9 de abril de 2013

Val d’Isère e sua neve fofa até fim de maio

A repórter Fernanda Dutra, de O Globo, publicou no dia 03/04/13 - 20h55 (depois atualizou no mesmo o dia às  21h28) no Caderno Boa Viagem / Globo Online, uma excelente matéria sobre as estações de ski da cidade de Val d'Isère, que reproduzo e recomendo a leitura, segue a peça:

Nas pistas badaladas de Val d’Isère, neve fofa até maio

Estação na França cresceu a partir da década de 1930, com escolas de esqui e campeões olímpicos

Après-ski começa cedo, ainda nas pistas, na festa ao ar livre do La Folie Douce

Show ao vivo no La Folie Douce: dono teve que investir em tecnologia para criar festa
ao ar livre no topo da montanha em Val d’Isère. Foto: Fernanda Dutra / O Globo
VAL D’ISÈRE - Até os anos 1930, Val d’Isère nem mesmo tinha um nome. Chamavam-na pelo apelido “Abaixo de Tignes”. Debaixo de nevascas por pelo menos cinco meses ao ano, de difícil acesso, corria o risco de desaparecer. Então, surgiu a moda de esquiar — e, de repente, viver sob neve grande parte do ano se tornou uma qualidade. A vila de menos de dois mil habitantes cresceu e sobrevive do esporte, uma paixão local. A ponto de recepcionistas de hotel e vendedores de lojas aproveitarem o horário do almoço para curtir as pistas.

Em 1932, Val d’Isère ganhou a primeira escola de esqui da França, fundada por Charles Diebold. Logo depois ele ajudou a criar a École du Ski Français, que tem uma unidade por lá até hoje. Vieram então os teleféricos, as estradas e os campeões. De Val d’Isère, surgiram grandes referências para o esqui francês como Henri Oreiller, o “louco das descidas”, e Jean-Claude Killy que, nos únicos Jogos Olímpicos em que participou, em 1968, levou três medalhas de ouro. Killy é um nome que se vê em todo canto na cidade. Primeiro, na marca de roupas para neve. Depois, nas pistas. O Espace Killy, que engloba também a vizinha Tignes, controla os teleféricos e outros serviços.

Visitei a cidade no final de março, esperando encontrar o fim do inverno. Mas quando desci do carro em frente ao hotel notei os flocos de neve caindo. E o sol abriu, por coincidência, só na manhã seguinte quando já tinha calçado as botas de esqui. Nevara em torno de 50 centímetros, coisa digna de dezembro e janeiro. Neve fofa, perfeita para descidas, ao menos em teoria, sem percalços. A melhor parte? Fica assim até maio — o fechamento oficial da estação é dia 5, quando estão programadas festas badaladíssimas. A julgar pelo que vi no La Folie Douce, não duvido nada.

Foi onde descobri o “clubbing en alitude”, um conceito criado por Luc Reversade, ou “o homem que faz tremer as montanhas”. O La Folie Douce fica logo na chegada do teleférico de La Daille, no meio das pistas. Quando aperta a fome, os esquiadores param para comer um lanche ou almoçar no La Fruttière.

O restaurante tem o aspecto de uma queijaria da década de 1950. Serve os queijos locais e o melhor da comfort food alpina. Pedi um lombo de porco servido com um ensopado com legumes e salsichas de Savoie (€ 23). Enquanto me ocupava com as carnes, notei o som da música subindo e, de repente, dançarinos em trajes coloridos cantando no palco.

A tradição local manda terminar o almoço com uma dose de genepy, um licor digestivo feito de uma planta das montanhas. No Folie Douce, isso equivale a um impulso para dispensar a sesta e levantar para dançar.

Quando falta espaço no piso de madeira, os esquiadores sobem nas mesas. O traje é o mesmo das pistas. No entanto, isso aqui pode significar tanto um bela jaqueta impermeável Killy quanto uma fantasia de dálmata, vaca malhada ou Homem-Aranha — só para citar o que vi com os próprios olhos. O ambiente flerta com o kitsch, mas tem tanta energia que acaba contagiando.

O dono da empreitada, Reversade, se inspirou nos beach clubs de Ibiza. Instalou o clube atual em 2007, depois de um grande investimento em infraestrutura (com 15°C negativos, quase tudo congela). E, além de lançar a tendência, abriu filiais em Courchevel e Mèribel.

A folia das pistas termina às 17h, mas no centro da cidade continua até tarde. Opções como o Café Face, também do festeiro Reversade, são mais animadas, com uma programação diária de shows ao vivo e DJs. Para uma badalação com menos decibéis e mais social, uma dica é o bar do hotel Le Blizzard. São três ambientes, sendo um para a mesa de sinuca, com aconchegantes sofás de veludo à meia-luz. Para beliscar, há sopas em copinhos e pequenos sanduíches.

Se quiser continuar para o jantar, terá uma boa surpresa. Como entrada, o foie gras fresco e selado foi disputadíssimo na mesa. As casquinhas de ovos, pintadas de preto, trouxeram uma emulsão com trufas leve e saborosa. Para a segunda etapa, vieram à mesa risotos, acrescidos de queijos alpinos e outros ingredientes locais. E também um rolinho de pato com crosta de queijo parmesão, acompanhado de molho de trufas, delicioso.

Um típico jantar alpino leva ao L’Arolay, no “final” da Val d’Isère invernal (a continuação da pista fica fechada pela neve). Frequentado pelos moradores, com atendimento só em francês, tem fondue, raclette e tartiflette no menu, entre outros.

O fondue local usa os queijos comté e dois tipos de beaufort ou tomme. A tartiflette, como a de Megève, leva reblochon, cebola, bacon e batatas. A raclette, queijo derretido com picles e embutidos, tem uma apresentação diferente por aqui. Uma peça enorme fica suspensa por uma estrutura de ferro e, em um dos lados dela, há uma chapa que derrete e corta o queijo. Num cantinho do restaurante, note as raclettes descansando, à espera dos próximos clientes. Isso mesmo: são compartilhadas e você não precisa comer uma inteira.

Com sol e neve fofa, mesmo os mais preguiçosos vão querer levantar para curtir o dia. Val d’Isère tem pistas para todos os níveis nos seus três quilômetros demarcados. O visitante pode comprar passes para as áreas Val d’Isère ou Espace Killy. Para um dia de atividades, o primeiro custa € 45 e o segundo, € 47. Os valores não mudam durante a temporada como ocorre nas estações americanas. E, ao contrário do que se pode pensar, a estação francesa não tem passes mais caros do que americanas como Vail. Um passe de sete dias na estação do Colorado, comprada com seis meses de antecedência, sai por US$ 509 (€ 397). No Espace Killy, sete dias custam € 269. Há diversas descidas mais baixas, gratuitas, para crianças e iniciantes. Para uma manhã de treinamentos com o instrutor Michel (que arranha um português), da École du Ski Français, por exemplo, não cheguei a precisar de um passe.

Mais fácil foi guiar as skidoos, as motos de neve. Perto da estação de La Daille, a empresa Cameleon oferece vários tipos de passeios com elas. É preciso aprender a acelerar, frear e gostar de velocidade. O passeio poderia ser tranquilo. Mas estamos em Val d’Isère e o povo aqui gosta de uma aventura. Então espere do seu guia um impulso para descer e subir montanhas íngremes. Os passeios de 20 minutos podem ser prolongados com um almoço, jantar ou lanche num yurt, a típica cabana da Mongólia. A empresa também oferece a curiosa experiência de dirigir um trator de neve, ou dameuse — o circuito leva 30 minutos.

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