quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Prisões francesas, antros do Islã radical, passam por reformulação após atentados em Paris



Segundo uma reportagem do jornal The Washington Post, foi em uma delas que os responsáveis pelos atentados se radicalizaram e tornaram-se extremistas - segue a matéria:

"FLEURY-MEROGIS, FRANÇA — O homem foi enviado para a maior prisão da França por assalto à mão armada. E emergiu dela como um implacável radical que viria a participar de alguns dos mais sangrentos ataques terroristas em solo francês em décadas.

As prisões da França têm reputação de fábricas de radicais islâmicos, pegando criminosos comuns e transformando-os nas mais perigosas pessoas. Na prisão de Fleury-Merogis — onde Amedy Coulibaly passou um tempo ao lado de outro dos envolvidos nos ataques mortais neste mês em Paris e no subúrbio da capital francesa —, autoridades estão lutando para acabar com um problema que eles dizem que por muito tempo ameaçava explodir.

Ex-detentos, imãs e guardas, todos descrevem uma cena caótica dentro destas paredes de concreto, a pouco mais de 20 quilômetros das elegantes avenidas que cercam a Torre Eiffel. A militância se esgueira nas sombras, e os homens mais bem-comportados são, por vezes, os mais perigosos. O primeiro-ministro francês, Manuel Valls, prometeu, na semana passada, inundar as prisões de seu país com mais 60 capelães muçulmanos, dobrando seu orçamento para tentar combater a radicalização. Nesta semana, autoridades revistaram 80 celas de suspeitos radicais, dizendo que encontraram celulares, pen-drives e outros objetos não permitidos. Centenas de detentos em prisões francesas são uma ameaça potencial, dizem as autoridades.

Mas os críticos dizem que esses esforços são minúsculos em comparação com o tamanho do problema, com prisões tão mal controladas que um relatório vazado do governo francês descreve cartazes de Osama bin Laden pendurados nas paredes dos detentos. O desafio pode ser agravado pelas dezenas de pessoas enviadas para a prisão após os recentes ataques, alguns há mais de um ano, sob processos acelerados em que foram acusados de apoio verbal ao terrorismo.

— A prisão destrói os homens — disse Mohamed Boina M'Koubou, um imã que trabalha na prisão de Fleury-Merogis. — Há pessoas que são alvos fáceis de detectar e transformar em assassinos.

Coulibaly havia dito à polícia que ele conheceu “terroristas” durante suas temporadas na prisão, assim como negou que era um deles.

— Se você quiser que eu fale de todos os terroristas que conheço, vou tomar um tempo seu. Eu conheço todos eles: os chechenos, os afegãos — disse Coulibaly à polícia, em 2010, de acordo com documentos judiciais de um julgamento naquele ano, em que ele foi condenado por tentar ajudar um homem que havia planejado os atentados de 1995 no metrô de Paris a fugir da cadeia. — Eu os conheci na prisão, mas isso não significa que eu ainda me interesse por eles agora.

As malcuidadas prisões são lugares ideais para espalhar a violenta ideologia — em muitos aspectos, ainda melhor do que do lado de fora dos portões da prisão. A maioria dos prisioneiros passam até nove horas por dia relativamente misturados, sem supervisão, contam os guardas, em primeiro lugar, no trabalho e, em seguida, no pátio da prisão. Serviços de Inteligência franceses se orgulham da infiltração nas redes de militantes em seu país — mas as prisões estão sob um comando diferente, dizem os especialistas, em que muitos radicais não são percebidos, descobertos, pelos guardas.

Outras nações, incluindo os Estados Unidos e o Reino Unido, também têm lutado contra a radicalização nas prisões. Mas a questão mostrou-se especialmente complicada na França, onde os especialistas estimam que os muçulmanos constituem mais da metade dos 68 mil detentos do país, embora sejam apenas 5% a 10% da população total. Mas existem apenas cerca de 170 imãs atualmente ministrando dentro das prisões.

— O número de pessoas que trabalham na Inteligência dentro das prisões é uma ninharia — afirma o sociólogo Farhad Khosrokhavar, da Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais de Paris, que estudou radicalização na prisão, acrescentando que os presos mais perigosos são aqueles que sabem como se misturar. — A maioria das pessoas que se radicalizou na prisão sabia muito bem que não se devia deixar crescer a barba, nem ir à oração coletiva na sexta-feira, quando houvesse. Aqueles que fizessem isso, chamariam a atenção dos guardas, e geralmente seriam os inofensivos.

Os agentes penitenciários, que são normalmente responsáveis por cem detentos, cada um, dizem que podem fazer pouco em relação ao problema.

— Eles se adaptam mais rápido do que nós — explica David Dulondel, que trabalha como guarda na prisão de Fleury-Merogis e é o chefe de um sindicato local. — Não temos ninguém treinado para antirradicalização. Como está hoje, não podemos dizer se se alguém está em processo de radicalização ou não.

Valls propôs isolar os presos mais perigosos juntos, em vez de permitir que eles se misturem com a população carcerária comum. Os críticos questionam se é possível identificar os detentos certos, e perguntam se agrupá-los não seria simplesmente criar células radicalizadores ainda mais fortes dentro das prisões.

A prisão de Merogis era onipresente quando Coulibaly estava crescendo na vizinhança ao lado, no subúrbio parisiense de Grigny, em um conjunto habitacional tão atormentado pela violência que os correios fecharam o posto que tinha ali, no ano passado, porque havia sido roubado várias vezes. Os moradores fazem humor negro, dizendo que a prisão era apenas mais um bairro da região, uma vez que as pessoas entravam e saiam dela regularmente.

Foi dentro do perímetro de arame farpado de Fleury-Merogis, em 2005, que Coulibaly encontrou dois homens que mudariam sua vida. Um deles foi Djamel Beghal, um preso franco-argelino que havia sido condenado por conspirar para explodir a Embaixada dos EUA em Paris, em 2001, e foi um belo, articulado e sedutor defensor da violência em nome da religião.

— Beghal “estava bem acima de mim” na prisão — disse Coulibaly à polícia. — Beghal não pregou na prisão, mas respondeu a perguntas dos detentos sobre o Islã.

A prisão é o local ideal para passar mensagens uns aos outros com as garrafas de refrigerante amarrados a folhas rasgadas que prisioneiros podiam passar pelas janelas. A estratégia de comunicação funcionou, embora Beghal, que era visto como um radicalizador extraordinariamente perigoso, estivesse em confinamento solitário. Coulibaly gravou o método da vida na prisão em vídeo, que ele filmou e conseguiu enviar, ilegalmente, para fora da prisão a uma rede de televisão francesa.

O outro homem que Coulibaly conheceu na prisão foi Chérif Kouachi, que com seu irmão Saïd matou 12 pessoas neste mês, no ataque à redação do semanário satírico “Charlie Hebdo”. Na época, Kouachi estava cumprindo pena por uma tentativa fracassada de ir ao Iraque para lutar. Seu período na prisão o endureceu ainda mais. Os advogados envolvidos no caso assistiram à transformação do jihadista amador em um homem carrancudo que já resistiu a três dias de tentativas da polícia para interrogá-lo.

— Muitos dos meus clientes foram radicalizados na prisão — contou Dominique Many, um advogado de defesa que esteve envolvido no caso de 2005, em que Kouachi e outros foram condenados pela tentativa de ir ao Iraque para lutar pela jihad. — Eles são muito bem organizados. Sabem como proteger os mais fracos para atraí-los para o sistema. Dizem que você é da família, e então você está fisgado.

A radicalização que acontece dentro da prisão permanece por muito tempo depois que os presos são libertados.

— Quando você está na prisão por dez anos e em contacto com essas pessoas, é muito difícil de sair e mudar as coisas ao redor – explica o pesquisador Myriam Benraad, da Universidade Sciences Po de Paris, especialista em movimentos militantes que estudou a gangue de Kouachi.

A ameaça tem sido longamente analisada pelo governo francês — prisioneiros radicalizados, uma vez soltos, são “bombas-relógio”, de acordo com um relatório de 2005 do governo, que vazou, sobre o problema.

Mas para M'Koubou, o imã da prisão, alguns dos insistentes problemas são quase impossíveis de erradicar. É por isso que, em uma recente viagem para longe de prisão, para uma temporada de estudos em Paris, ele comprou um pesado livro que ele pretende ler imediatamente: “Al-Qaeda na França”."

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Normas para publicação: acusações insultuosas, palavrões e comentários em desacordo com o tema da notícia ou do post serão despublicados e seus autores poderão ter o envio de comentários bloqueado.