Funcionário anota na hora o menu. Foto: Fernando Eichenberg / O Globo |
O jornalista correspondente Fernando Eichenberg, de O Globo, publicou nesta quarta (15), uma excelente matéria sobre um restaurante da Cidade Luz que permite a qualquer pessoa bancar o cozinheiro, servindo clientes de verdade num almoço ou jantar.
Abaixo reproduzo e recomendo a leitura, segue o texto:
O dia era especial para Dominique Valdor, de 39 anos, uma sorridente e bem-humorada francesa de origem de Guadalupe. Desde 9h da manhã, ela manuseava as panelas de um restaurante nas proximidades da Praça da Bastilha, na capital francesa. Naquele sábado, Dodô, como é chamada na intimidade, trocaria de profissão: professora em classes de alfabetização para crianças num colégio de Coubron, subúrbio de Paris, estava prestes a se tornar chef por um dia. A metamorfose é acessível a qualquer um graças ao restaurante Un Jour, Un Chef (Um Dia, Um Chef). Trata-se de um estabelecimento normal, mas, como diz o nome, a cada dia o forno e o fogão são reservados a um novo cozinheiro. O conceito, criado por três jovens empreendedores, permite que qualquer pessoa se candidate, escolha uma data disponível, elabore um menu composto de entrada-prato-sobremesa, e venha cozinhar suas especialidades para os clientes da casa. “Você tem a receita, nós temos o restaurante” é o lema do local, situado no número 4 da Rua Biscornet.
- Somos o primeiro restaurante a proporcionar isso todos os dias. Emprestamos nossa cozinha e o apoio de nossa equipe para que as pessoas venham aqui realizar o sonho de ser chef por um dia - diz Olivier Dasse-Hartaurt, de 30 anos, um dos sócios.
O procedimento é mais simples do que fritar um ovo: basta se inscrever no site ou por telefone, marcar a data, enviar o menu, e depois é só vestir o avental e encarar a inusitada aventura, que não deixa de ter algumas pitadas de estresse. Dominique foi surpreendida por sua fiel amiga, Ethel Wargnier, de 36 anos, que fez a inscrição online no nome dela sem que soubesse.
- A Dodô adora cozinhar. Li num site sobre o restaurante e achei que tinha tudo a ver com ela. Os amigos acharam uma superideia, me encorajaram, inscrevi sem avisá-la. Pedi uma sugestão de menu para ela, sem dizer para o que serviria, enviei uma foto dela para o pessoal do restaurante, e três semanas antes disse para ela entrar no site do restaurante. Ela acessou e viu lá a foto dela, anunciando que iria cozinhar em tal dia! -conta Ethel.
A equipe do restaurante se encarrega de providenciar todos os ingredientes necessários para o cardápio e conta com um chef próprio para auxiliar o cozinheiro do dia em caso de necessidade. Benjamin Boutelloup, 23 anos, é um dos supervisores da casa. Ele escolheu trabalhar no restaurante por um principal motivo: fugir da rotina. Leu a oferta de emprego num site na internet às 9h, e três horas depois já estava no local a postos para a entrevista.
- Aqui, cada dia é um tipo de comida diferente, e os chefs em geral são muito simpáticos. É um ambiente descontraído. Numa cozinha normal não se encontra um clima assim. A gente se diverte e há muita troca. E há muitas surpresas. Não acreditei, por exemplo, quando chefs sugeriram um frango recheado com camarões ou uma torta de coco com creme de abacate, mas deu muito certo - garante.
Dodô elegeu para servir como entrada um mil-folhas de vieiras com espinafre. Como prato principal, fatias de pato no mel e vinagre balsâmico, acompanhado de alcachofra e batatas doces. Para sobremesa, um pera cozida com baunilha e creme de amêndoas.
- São receitas sobre as quais já tenho um certo controle, pois fiz algumas vezes em casa para amigos. Nunca fiz com alcachofra, mas quem sabe não sai melhor? - indaga a si mesma.
Em meio aos preparativos, as risadas também entram como ingrediente. Dominique se diz menos inquieta com o serviço do meio-dia do que com o jantar, quando o número de clientes deverá ser maior. Como consolo, para a noite Ethel convidou uma quinzena de seus amigos.
- Com eles aqui vou me sentir mais à vontade. Mas você não convidou a minha sogra, não é, Ethel? - pergunta, rindo.
Olivier define em três categorias os tipos de chefs por um dia em seu restaurante. Há os completamente amadores, correspondentes a cerca de 80% do total; outros que já têm um conhecimento maior e que gostariam de testar um menu para clientes; e, por fim, os que sonham em abrir seu próprio restaurante e desejam testar “a realidade da profissão”.
-Além de franceses, já tivemos aqui chefs de várias nacionalidades, de diferentes países da Europa, russos, argentinos, mexicanos, chineses. Ashley, um australiano, realizou aqui seu sonho de um dia cozinhar num restaurante francês. Viajou 22 mil quilômetros, veio pela primeira vez à Europa e passou cinco dias na França só para isso - conta Olivier, que antes de investir no restaurante trabalhava como consultor financeiro.
A iniciativa deu certo e está se multiplicando: duas franquias foram abertas em outras localidades da França. O menu sai por 25 euros, no almoço, e 30 euros, no jantar. Os comensais que não se sentirem tentados pelo cardápio do chef por um dia têm duas outras opções, definidas por Benjamin, a escolher.
Muguette Faucon soube do restaurante por um site na internet, e veio acompanhada de cinco familiares e amigos:
- Achei a ideia engraçada e insólita, e convidei todos para vir comer aqui.
O veredito?
- Todos pedimos o menu da chef do dia. Estava ótimo. Aprovamos a experiência. Estamos até pensando em nos increvermos para vir cozinhar aqui também - conta.
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