Alain Ducasse: “Há muitos chefs que existiram por um, dois, três anos e, depois, desapareceram” - Foto: Pierre Monetta |
"PARIS - Em um pequeno espaço reservado na agitada cozinha de seu restaurante no hotel Plaza Athénée, na capital francesa, o chef Alain Ducasse, 58 anos, instalou uma mesa redonda de madeira para promover reuniões de trabalho e degustações. O mini bunker, que pode ser isolado por uma porta de vidro, é um dos tantos a sua disposição em diferentes endereços do planeta. À frente de quase três dezenas de restaurantes dispersos pelo mundo — além da França, Estados Unidos, Japão, Rússia, Catar, Itália, Principado de Mônaco, Hong Kong e Inglaterra —, o cozinheiro de 18 estrelas no guia Michelin (só superado por Joël Robuchon, com 21) acomoda-se em uma das cadeiras para explicar sua mais nova aventura, na qual está associado ao Ministério das Relações Exteriores da França.
UMA NOITE PARA A COZINHA FRANCESA
Na noite de 19 de março, mais de mil chefs de países dos cinco continentes — o Brasil incluído — celebrarão em seus restaurantes a gastronomia francesa. A ideia é que cada um deles crie um menu inspirado na estrutura e nos ingredientes da cozinha da França: começar o jantar com um champanhe, respeitar a hierarquia de entradas frias e quentes e a harmonia de pratos com vinhos franceses, usar produtos locais, da estação, mas também os de origem francesa, como queijos, e fazer uma sobremesa com chocolate.
— A cozinha francesa não tem influência em termos de gosto, mas de savoir-faire, de conhecimento, de rigor, de disciplina. Há um método. Escrevemos livros de cozinha há séculos. Temos um DNA, um disco rígido mais espesso. Há uma técnica francesa, mesmo que seja ao gosto brasileiro, marroquino, chinês. De uma maneira arrogante, penso que apenas nós poderíamos organizar algo assim — defende.
O projeto, batizado de “Goût de France/Good France” — um jogo de palavras entre o francês e o inglês —, foi buscar seu aroma nos “Jantares de Epicuro”, do chef Auguste Escoffier (1846-1935), lançados com a proposta de um único menu no mesmo dia em diversas cidades do globo para divulgar a gastronomia francesa, hoje considerada patrimônio mundial pela Unesco. O primeiro deles, em 1912, reuniu cerca de 4 mil pessoas, e o último, em 1914, em torno de dez mil comensais em 147 cidades.
Ducasse reconhece tratar-se de um empreendimento ambicioso e diz estar preparado para eventuais críticas, mas alega que suas intenções são as mais nobres e sinceras.
— Tenho bons colegas por todo o lado e pensei que poderíamos ter um dia para mostrarmos a capacidade da cozinha francesa, agrupando o conjunto da profissão de maneira fraterna e promovendo uma festa da gastronomia no mundo, de bistrôs modestos aos restaurantes de maior requinte gastronômico — diz.
Além de restaurantes, as representações diplomáticas francesas no exterior também participarão do evento e, em Paris, será organizada uma ceia para personalidades e embaixadores estrangeiros. Os restaurantes participantes serão anunciados no dia 15, após avaliação de um júri internacional composto por mais de 20 nomes, entre eles Guy Savoy, Thierry Marx, Anne-Sophie Pic, Joël Robuchon, Michel Roth, Claude Troisgros, Laurent Suaudeau, Joan Roca, Elena Arzak, Dan Barber, Thomas Keller, Massimo Bottura ou Luke Dale-Robert. O preço do jantar será decidido por cada estabelecimento, mas a doação de 5% da arrecadação a uma ONG local com trabalhos nas áreas de saúde ou meio ambiente é obrigatória.
Do Brasil, Ducasse destaca seu amigo Alex Atala e a chef Helena Rizzo (“muito boa, elegante, faz uma ótima proposta de cozinha”).
— Há uma ligação muito simpática e amistosa entre franceses e brasileiros. Atala fez estágios na França há 15 anos. Há uma relação entre o que ele viu aqui e o que fez depois com produtos brasileiros. Sobre uma base conhecida, um exercício codificado, ele criou sua própria cozinha — explica.
O chef conta que quase acertou a instalação de um restaurante Ducasse em São Paulo, mas decidiu esperar.
— As negociações estavam adiantadas, mas na última hora, eu não senti aquele algo a mais. Não estou com pressa. Eu me apresso lentamente.
NADA DE CARNE NO PLAZA ATHÉNÉE
Em setembro último, Alain Ducasse surpreendeu na reabertura de seu restaurante no hotel Plaza Athénée, ao retirar a carne do cardápio, sustentando suas criações na tríade peixes-legumes-cereais.
— Os peixes são de pesca sustentável; os legumes são cultivados no Jardim da Rainha do Palácio de Versalhes, e os cereais são orgânicos. É uma cozinha modesta, justa, tranquila, oposta ao efeito “uau”, dentro da minha pesquisa contrária ao espetacular. É um choque cultural. Não ter carne, foie gras, lebre, cervo, vitela, carne? Pode-se, sim, fazer deste jeito — defende Ducasse.
Para ele, a extrema sofisticação na cozinha se dá quando tudo é reduzido ao essencial. Para isso, é necessário muito esforço e sabedoria.
— Comer assim é trabalhoso. Para fazer de um produto, de uma sardinha, a estrela, há muito trabalho por trás, mais do que o custo da sardinha. O prato é simples na sua aparência, mas não é simplista. Esta é a sofisticação, o luxo máximo de comer — filosofa Ducasse, que gosta do interesse pela cozinha no mundo, mas alerta que os grandes chefs são apenas a “parte visível do iceberg”.
— Há sempre o efeito novidade, e falar da gastronomia é benéfico. A dificuldade das estrelas é durar. Há muitos chefs que existiram por um, dois, três anos e, depois, desapareceram. Uma outra coisa é perdurar na diversidade e na consistência — conclui, como se desse um recado.
Na noite de 19 de março, mais de mil chefs de países dos cinco continentes — o Brasil incluído — celebrarão em seus restaurantes a gastronomia francesa. A ideia é que cada um deles crie um menu inspirado na estrutura e nos ingredientes da cozinha da França: começar o jantar com um champanhe, respeitar a hierarquia de entradas frias e quentes e a harmonia de pratos com vinhos franceses, usar produtos locais, da estação, mas também os de origem francesa, como queijos, e fazer uma sobremesa com chocolate.
— A cozinha francesa não tem influência em termos de gosto, mas de savoir-faire, de conhecimento, de rigor, de disciplina. Há um método. Escrevemos livros de cozinha há séculos. Temos um DNA, um disco rígido mais espesso. Há uma técnica francesa, mesmo que seja ao gosto brasileiro, marroquino, chinês. De uma maneira arrogante, penso que apenas nós poderíamos organizar algo assim — defende.
O projeto, batizado de “Goût de France/Good France” — um jogo de palavras entre o francês e o inglês —, foi buscar seu aroma nos “Jantares de Epicuro”, do chef Auguste Escoffier (1846-1935), lançados com a proposta de um único menu no mesmo dia em diversas cidades do globo para divulgar a gastronomia francesa, hoje considerada patrimônio mundial pela Unesco. O primeiro deles, em 1912, reuniu cerca de 4 mil pessoas, e o último, em 1914, em torno de dez mil comensais em 147 cidades.
Ducasse reconhece tratar-se de um empreendimento ambicioso e diz estar preparado para eventuais críticas, mas alega que suas intenções são as mais nobres e sinceras.
— Tenho bons colegas por todo o lado e pensei que poderíamos ter um dia para mostrarmos a capacidade da cozinha francesa, agrupando o conjunto da profissão de maneira fraterna e promovendo uma festa da gastronomia no mundo, de bistrôs modestos aos restaurantes de maior requinte gastronômico — diz.
Além de restaurantes, as representações diplomáticas francesas no exterior também participarão do evento e, em Paris, será organizada uma ceia para personalidades e embaixadores estrangeiros. Os restaurantes participantes serão anunciados no dia 15, após avaliação de um júri internacional composto por mais de 20 nomes, entre eles Guy Savoy, Thierry Marx, Anne-Sophie Pic, Joël Robuchon, Michel Roth, Claude Troisgros, Laurent Suaudeau, Joan Roca, Elena Arzak, Dan Barber, Thomas Keller, Massimo Bottura ou Luke Dale-Robert. O preço do jantar será decidido por cada estabelecimento, mas a doação de 5% da arrecadação a uma ONG local com trabalhos nas áreas de saúde ou meio ambiente é obrigatória.
Do Brasil, Ducasse destaca seu amigo Alex Atala e a chef Helena Rizzo (“muito boa, elegante, faz uma ótima proposta de cozinha”).
— Há uma ligação muito simpática e amistosa entre franceses e brasileiros. Atala fez estágios na França há 15 anos. Há uma relação entre o que ele viu aqui e o que fez depois com produtos brasileiros. Sobre uma base conhecida, um exercício codificado, ele criou sua própria cozinha — explica.
O chef conta que quase acertou a instalação de um restaurante Ducasse em São Paulo, mas decidiu esperar.
— As negociações estavam adiantadas, mas na última hora, eu não senti aquele algo a mais. Não estou com pressa. Eu me apresso lentamente.
NADA DE CARNE NO PLAZA ATHÉNÉE
Em setembro último, Alain Ducasse surpreendeu na reabertura de seu restaurante no hotel Plaza Athénée, ao retirar a carne do cardápio, sustentando suas criações na tríade peixes-legumes-cereais.
— Os peixes são de pesca sustentável; os legumes são cultivados no Jardim da Rainha do Palácio de Versalhes, e os cereais são orgânicos. É uma cozinha modesta, justa, tranquila, oposta ao efeito “uau”, dentro da minha pesquisa contrária ao espetacular. É um choque cultural. Não ter carne, foie gras, lebre, cervo, vitela, carne? Pode-se, sim, fazer deste jeito — defende Ducasse.
Para ele, a extrema sofisticação na cozinha se dá quando tudo é reduzido ao essencial. Para isso, é necessário muito esforço e sabedoria.
— Comer assim é trabalhoso. Para fazer de um produto, de uma sardinha, a estrela, há muito trabalho por trás, mais do que o custo da sardinha. O prato é simples na sua aparência, mas não é simplista. Esta é a sofisticação, o luxo máximo de comer — filosofa Ducasse, que gosta do interesse pela cozinha no mundo, mas alerta que os grandes chefs são apenas a “parte visível do iceberg”.
— Há sempre o efeito novidade, e falar da gastronomia é benéfico. A dificuldade das estrelas é durar. Há muitos chefs que existiram por um, dois, três anos e, depois, desapareceram. Uma outra coisa é perdurar na diversidade e na consistência — conclui, como se desse um recado.
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