terça-feira, 18 de junho de 2013

Île de la Réunion: a França (quase) tropical

O Globo Online publicou nesta terça (18) no Boa Viagem / Online, uma excelente matéria sobre a Île de la Réunion, que reproduzo e recomendo a leitura, segue a peça:

Na Ilha Reunião, aventura à francesa no Índico
Departamento ultramarino da França, ilha vulcânica atrai adeptos dos esportes ao ar livre

Vôo de parapente sobre St. Leu Emmanuel. Foto: Virin / Divulgação
SAINT-DENIS - Um pedaço da França no Oceano Índico, quase imperceptível nos mapas, a Ilha Reunião tornou-se Patrimônio da Humanidade em 2010. Graças às paisagens exóticas e aos terrenos perfeitos para a prática do turismo de aventura, essa ilha tropical vulcânica que poucos conhecem atrai visitantes em busca de atividades ao ar livre.

Quando o avião pousou no aeroporto Roland Garros, em St. Denis, capital de Reunião, tive a sensação de que tinha chegado a um dos lugares mais preservados do turismo de massa. A ilha fica longe de tudo: quem vem das principais capitais europeias precisa encarar ao menos 14 horas de voo; se o ponto de partida for a África do Sul, pode contar com um mínimo de sete horas. A vizinha mais próxima é a idílica Maurício, que também não fica ali na esquina.

Reunião, por onde já estiveram os portugueses no período das grandes navegações, pertence à França desde meados do século XVII e cultiva essa identidade com orgulho: a maioria dos seus 833 mil habitantes só fala o idioma de Molière, a moeda é o euro, os números de celular têm dez dígitos e começam com 06, e, é claro, os croissants e as autênticas baguetes encontrados nas padarias da ilha são confeccionadas artesanalmente por um boulanger profissional. Tal qual em Paris, digamos. Toda a estrutura da sociedade, as regras de trânsito e até mesmo as instalações sanitárias seguem os padrões da “metrópole”, como costumam chamar os locais quando se referem à pátria mãe.

A gastronomia, embora salpicada com ingredientes de diversas origens — oriundas das influências que vão da cultura créole até a chinesa — também é enraizada nas boas receitas herdadas do continente europeu. Reunião é típica e genuinamente francesa em cada pedacinho de seus 2.500 quilômetros quadrados até o topo de seu pico mais alto, o Piton des Neiges, que desponta a 3.071 metros acima do nível do mar.

Com uma incrível diversidade nas paisagens, muitas delas exuberantes e de uma beleza dramática, a ilha oferece um farto leque de atrações, todas voltadas para atividades ao ar livre. Com mais ou menos adrenalina, à escolha do visitante. Basta dizer que o carro-chefe dos ícones de Reunião é o Piton de la Fournaise, um dos vulcões mais ativos do planeta. Volta e meia ele se enfurece e arremessa labaredas de fogo a mais de 200 metros de altura e em seguida derrama sua lava pelas encostas, para o deleite dos turistas sortudos que conseguem vislumbrar de longe esse fenômeno da natureza.

A última vez que o La Fournaise entrou em erupção foi em 14 de outubro de 2010. Uma semana depois os turistas mais audaciosos já podiam se aventurar numa caminhada de oito horas para ver “de perto” os efeitos da erupção. A paisagem se transforma, todo o ambiente muda de figura, assim como os contornos da ilha, que sempre oscilaram conforme os caprichos do vulcão.

Ao ar livre. Pedaladas, caminhadas e cavalgadas

O vulcão Piton de La Fournaise é apenas um dos atrativos da Ilha Reunião. Muito além de um destino ideal apenas para ficar de molho numa praia deserta do Oceano Índico, tomando banho de mar com água a 25 °C e bebericando uma piña colada, Reunião oferece um farto leque de atrações. Muito embora nem todas exijam a disposição de um maratonista, a maioria é talhada para os adeptos de atividades físicas calibrados com o mínimo de coragem.

A ilha é um parque de diversões em tamanho natural, dentro do qual se pode escolher entre dezenas de brincadeirinhas ao ar livre: mountain bike, parapente, rafting, pesca em alto-mar, mergulho, surfe, stand up paddle e longos trekkings por toda parte, ou trilhas em escarpas como a da “via ferrata” em Sainte-Suzanne, que termina em uma grande e bela cachoeira.

Bastante concorridos são os voos panorâmicos de helicóptero sobre o parque nacional, que dependem de condições climáticas para acontecer. No quesito aventura, há sacolejantes roteiros off-road, cavalgadas, excursões de quadriciclo e emocionantes passeios com bicicletas de quatro rodas — marca registrada local, única no gênero e adaptada especialmente para se manter o equilíbrio em trilhas íngremes e terrenos acidentados.

De cara, pode-se dizer que não conhece Reunião quem não sobrevoa seus cirques — as caldeiras esculpidas por erupções vulcânicas —, a cratera do vulcão em atividade Piton de la Fournaise, os altos picos ao redor e as imponentes quedas d’água. São vários voos agendados diariamente, pela manhã, a partir das 7h até as 11h. Depois deste horário, o céu costuma ficar nublado e já não é possível vislumbrar os cenários que surgem alguns minutos após a decolagem. O nosso piloto, com 25 anos de experiência nesse tipo de excursão, identificava cada formação rochosa, relatava a história de cada lugarejo, explicava a origem da ilha, entremeando o relato com pequenas anedotas. Inevitável o frio na barriga a cada vez que ele embicava o aparelho para o fundo dos vales, ou se esgueirava por cânions estreitos como o Trou de Fer, um dos fenômenos vulcânicos mais imponentes. Sobrevoamos também os três cirques, Mafate, Cilaos e Salazie, onde estão encravados os îlets, microcomunidades que ainda seguem os costumes tradicionais e mal têm contato com os ilhéus das outras regiões. Naquela manhã, o vulcão estava totalmente encoberto e não foi possível voar até lá. Há passeios de 20, 30 ou 45 minutos. A bordo, escolha um assento nas janelas, para conseguir fotografar melhor.

A ilha também pode ser explorada em quadbikes com muita adrenalina. Mais fácil do que uma bicicleta convencional e mais ecológica do que um quadriciclo, a bicicleta de quatro rodas foi desenvolvida na França especialmente para servir a um programa bastante inusitado, oferecido em Reunião: pilotar esta engenhoca por trilhas íngremes, bosques e terrenos acidentados. Os grupos partem de determinados locais, como o mirante do Maïdo, a cerca de 2 mil metros de altitude, e se despencam morro abaixo seguindo uma marcação específica. Os passeios duram cerca de duas horas, dependendo do roteiro escolhido. Nem é preciso ter experiência (também, onde é que alguém já teria dirigido uma quadbike?) e qualquer um acima de 1,35 metro de altura pode participar. Se o coração aguentar.

O Piton de la Fournaise — cujo nome se traduz como fornalha e fica no lado leste de Reunião — é o símbolo da ilha, e consequentemente todo mundo quer chegar até lá. Dá para ir a bordo de um veículo tracionado com passeio guiado, mas o grande programa é encarar o percurso a pé, numa caminhada de cinco horas até o topo para se debruçar, ou quase, na cratera fumegante. Há quem se contente em sobrevoar o gigante enquanto outros querem ter um contato mais próximo. De carro, dá para pegar a estrada a partir da localidade de St. Pierre e subir a 2.350 metros até Pas de Bellecombe. Dali, tem-se uma vista de duas crateras importantes. Mas, quem armazenou bastante energia pode cogitar prosseguir a pé por mais 13 km para atingir o fim da trilha, a 2.632 metros sobre o mar. É fundamental para a segurança não se afastar das marcações brancas, e sair muito cedo pela manhã. Passando do meio-dia, as nuvens costumam encobrir inteiramente o contorno do vulcão e a região em volta. É aconselhável contratar um guia.

Para quem não dispensa uma praia, o trecho mais agradável fica no chamado lagoon, que se estende entre L’Hermitage e Saline-les-Bains, ao noroeste da ilha. O sol é quente, a água chega fácil a 25 °C e não há ondas. Dá para praticar stand up, caiaque e windsurfe. O mergulho de snorkel também é muito popular em águas protegidas pela barreira de corais. Adiante, em direção a St. Leu, a areia ganha coloração enegrecida e o mar fica feroz. Apenas alguns surfistas se atrevem a enfrentar as ondas bem torneadas neste pequeno reduto. E, por aquelas bandas, os ventos favorecem a prática de parapente.

Natureza. Trilhas levam a vilarejos

As trilhas mais desafiadoras em Reunião são as que atravessam cânions beirando falésias a 700 metros de altura, para alcançar os vilarejos, ou îlets, que foram construídos séculos atrás por escravos foragidos. Mais conhecidos como os îlets dos cirques de Salazie, Mafate e Cilaos, foram construídos, tais quais os quilombos, por escravos fugitivos e serviram de refúgio até a abolição da escravatura. Protegidos pela topografia acidentada, os îlets ficaram inacessíveis durante séculos nesses santuários naturais, isolados da civilização. Só a partir de 1848, quando foi decretada a abolição, é que, aos poucos, algum progresso tecnológico alcançou essas comunidades. No entanto, era preciso se embrenhar por labirintos e trilhas para chegar até lá.

Até hoje, em Mafate — o mais preservado de todos, com apenas 700 habitantes — só se chega a pé ou pelo ar. O carteiro só passa uma vez por semana. E, ainda assim, persiste uma restrição: forasteiro nenhum, salvo por casamento, pode morar nesses îlets. Os habitantes cultuam dialeto próprio, seus costumes e traços são característicos e sua cultura é protegida por lei. Há poucos anos abriram uma brecha para o turismo, rústico em essência, impactante como experiência: pernoites na casa do habitante com refeições típicas. Tudo isso é feito a pé, mas com “resgate” de helicóptero.

Impenetrável sem ser a pé, Mafate é um dos destinos mais cobiçados por aventureiros que, durante dias a fio, visitam várias comunidades e se familiarizam com os habitantes e seus costumes ancestrais. Já os îlets de Cilaos e Salazie podem ser alcançados por estradinhas sinuosas que serpenteiam desde o mar até uma altitude acima de 2.500 metros. Até o século passado, as pessoas eram transportadas por carregadores em cadeiras portáteis. Agora, tem asfalto, mas só para constar no seu GPS, são mais de 400 curvas para chegar a Cilaos, que é também ponto de partida para dezenas de itinerários a pé pela região montanhosa cercada de falésias e picos.

Se for encarar uma dessas caminhadas, leve na mochila apenas a roupa necessária para enfrentar bruscas mudanças de tempo e temperatura, que pode cair 20 graus acima dos 2 mil metros.

À mesa. Paisagem tempera a culinária da ilha

Entre St. Paul e Saline-les-Bains, a noroeste da ilha, também estão alguns dos melhores hotéis, restaurantes, cafés e lojinhas da ilha.

No La Plage, que faz parte do Hotel Lux, pode-se almoçar e jantar junto ao mar. O cardápio é francês, com destaque para os pratos à base de carne, como o steak tartare, cortado à mão e temperado na hora. Uma refeição custa cerca de € 60 por pessoa, sem vinho. O restaurante fica na Route du Lagon 28, Saint Gilles-les-Bains.

O Chez Doudou fica no caminho para o Maïdo, um dos mirantes mais impressionantes da ilha. A cozinha segue as receitas dos antepassados créoles. O chef, dublê de músico, prepara artesanalmente linguiças, e só utiliza ingredientes retirados da horta própria ou do quintal. O bufê, onde sempre aparece o típico carry (ensopado de peixe, carne ou frango), custa € 20, com direito a uma dose de rum “batizado”, que significa a bebida curtida em alguma fruta local (394, Route du Maïdo, Le Guillaume).

O La Case Pitey, no lado sul, é ambientado numa antiga casa crioula. Este restaurante gastronômico tem no chef Samuel Tetard um esmero (re)criador de receitas simples com toque sofisticado. Experimente as vieiras com foie gras fresco ou um prato de lagostas ou costeletas de cordeiro. O risoto de trufas também é boa pedida. O menu custa a partir de € 50 por pessoa (ou € 80 com vinhos). O local abre para almoço e jantar (105, Rue du Docteur Schweitzer, La Rivière St. Louis. lacasepitey.e-monsite.com).

No vilarejo de St. Paul toda sexta é dia de feira. As atrações são as barracas de artesanato, que reúnem principalmente artigos das ilhas próximas de Madagascar, Maurício e Rodrigues. Objetos de madeira, panos, bugigangas de todas as cores enfeitam o local. Também há frutas tropicais típicas.

Serviço

A alta temporada vai de outubro a dezembro. Há incidência de ciclones de janeiro a março, mas a maioria das atividades acontece o ano todo. Há muitos microclimas nesta ilha tropical. Nunca faz menos de 25º C no litoral, podendo cair até 20º C na região montanhosa.

QBR Quadbikerunners: Passeios a € 37 (hora) e € 60 (meio dia). 23A Rue des Oliviers, St. Louis. www.qbr.re

Helilagon: O voo panorâmico custa € 230 por pessoa (meia hora), com traslado incluído. Aeroporto l’Eperon, St. Paul. helilagon.com

Trekking: kreolie4x4.com e reunionmeretmontagne.com

Caminhadas guiadas: Ludo Marconnot organiza excursões curtas a partir de € 45 (mínimo de quatro pessoas), e longas, a € 110, com hospedagem com meia pensão e eventuais traslados. Tel. 0692 83 38 68. ludo.concept@orange.fr

Visitas aos Îlets: villagescreoles.re

Um comentário:

  1. Muito boas as informações, Pedro. Obrigada! Dá até vontade de conhecer.
    Só espero que as pessoas dessa região sejam mais simpáticas com os brasileiros que os moradores de Lourdes. Fiquei tão decepcionada com os habitantes daquela cidade (Lourdes), principalmente com os lojistas, pois nos trataram como se a qualquer momento fôssemos roubá-los. Que coisa mais triste para uma cidade tão religiosa.

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