quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Conheça os segredos do Brie, no Département de Seine-et-Marne, bem pertinho de Paris

Paisagem medieval de Provins, no sul do Seine-et-Marne Foto: Sandro di Carlo / The New York Times
Paisagem medieval de Provins, no sul do Seine-et-Marne
O repórter Alexander Lobrano, do New York Times, foge de Paris para fazer um roteiro gourmet pela região do Brie, ao visitar o Département de Seine-et-Marne, onde são fabricados os únicos dois tipos deste queijo com o selo de qualidade AOC (Appellation d’Origine Contrôlée). Segue a peça:

"Há dois verões, em um vilarejo fora de Coulommiers, num antigo mercado a uma hora à leste de Paris, um velho caso de amor do meu passado foi trazido à tona. A caminho de uma casa emprestada onde passaríamos algumas semanas, meu amigo Bruno e eu paramos numa fazenda para comprar ovos, creme e outros produtos — incluindo um queijo de Coulommiers, vendido numa caixa de madeira redonda. Levantei a tampa e encostei meu dedo no queijo, que cedeu facilmente ao meu toque. Naquela noite, ao terminarmos o jantar sob a copa de uma nogueira, aquela beleza local (agradavelmente picante, com um suave e complexo sabor de avelãs tostadas) me conduziu a dois destinos: numa viagem no tempo diretamente para um sábado de neve em Connecticut, quando eu tinha 11 anos, e, recentemente, para uma jornada pelos vilarejos franceses para descobrir onde o queijo brie se originou.

A primeira me levou aos tempos em que o queijo que os americanos comiam limitava-se ao maçante trio industrial Swiss, cheddar e Monterey Jack. Por isso, a loja especializada que abriu em Connecticut causou rebuliço. Meu pai nos levou para uma visita e o soco olfativo que nos cumprimentou quando abrimos a porta nos fez sorrir. Eu já havia adquirido um gosto incipiente por queijos fortes da minha avó: certa vez, ela serviu um liederkranz — um queijo pungente feito em Ohio, inspirado pelo limburger alemão.

O amigável dono da loja nos ofereceu pequenas provas de queijos variados, e meu pai acabou comprando três: um Coulommiers, um brie e um L’Explorateur, um maravilhoso e rico triple-crème, com um rótulo dourado que retratava um foguete decolando. Fiquei fascinado pelo desenho, embora ninguém pudesse explicar a conexão entre o foguete e o queijo. O almoço exclusivamente composto por queijos que tivemos quando chegamos em casa despertou uma obsessão por laticínios franceses, motivo pelo qual me mudei para Paris mais tarde.

No entanto, não comia um bom Coulommiers há muito tempo, antes daquele jantar no jardim. Mas o queijo era tão bom quanto eu me lembrava, e acabamos rápido com ele. Por isso, no dia seguinte, visitei a La Ferme Jehan de Brie, uma excelente queijaria em Coulommiers, para comprar mais. A simpática dona da loja perguntou se eu queria mais alguma coisa. Disse que estava interessado apenas em variedades produzidas na região, e ela sugeriu um brie de Meaux e um soberbo triple-crème Gratte-Paille.

Enquanto ela envolvia os queijos em papel branco encerado, avistei um pequeno mapa do Seine-et-Marne colado na parede e me veio à cabeça um itinerário em uma das regiões que tem sido, tradicionalmente, uma das maiores produtoras de lácteos da França. Antes que as ondulantes planícies do leste de Paris fossem convertidas em plantações mais rentáveis de cereais e loteamentos suburbanos nos últimos 20 anos, a área fornecia pastagens para rebanhos de vacas leiteiras. O leite produzido era utilizado na produção desses queijos — brie, Coulommiers, Tomme, entre outros — mais comumente consumidos em Paris, antes da expansão ferroviária francesa durante o século XIX.

Então, no ano passado, voltamos à região do Seine-et-Marne para provar, durante dois dias, alguns dos melhores queijos da França, diretamente de seus lugares de origem. Depois de deixar Paris em uma manhã fria e ensolarada, nos dirigimos aos subúrbios da cidade por 45 minutos e cruzamos os vastos e nebulosos campos verdes que dominam o Seine-et-Marne, antes de chegarmos na cidade de Jouarre.

BRIE ERA O PREFERIDO DE CARLOS MAGNO

Começamos a nossa jornada na La Fromagerie Ganot, uma loja de queijos que funciona como affineur (lugar onde se matura o produto). A empresa familiar também abriga um pequeno museu dedicado à história e produção de brie e de outros queijos da região do Seine-et-Marne. Eles oferecem visita guiada, que inclui um vídeo com comentários ao vivo, passeio às caves de envelhecimento e degustação.


La Ferme Jehan de Brie vende queijos da região.

Isabelle Hédin, cujo avô fundou a queijaria em 1895, nos disse que existem seis variedades de brie, e que o sabor final do queijo depende do tamanho do molde usado para armazenar o leite de vaca coagulado e do tempo que ele envelhece lá dentro.

— Queijos do tipo brie são produzidos no mundo todo — explica ela. — Mas o verdadeiro brie só vem do Seine-et-Marne.

Ela conta que apenas dois tipos de brie possuem o AOC, ou Appellation d’Origine Contrôlée, um selo do governo que indica que a produção segue uma série de regras rigorosas. São eles, brie de Meaux e brie de Melun, ambos batizados em homenagem à cidades da região do Seine-et-Marne.

— O brie de Meaux tem uma casca branca aveludada e gosto de manteiga e avelãs, após cerca de seis ou oito semanas de envelhecimento — diz Isabelle. — Já o brie de Melun fica melhor entre dez e 12 semanas e tem um sabor mais forte, salgado e robusto, que parece com o do iogurte.

E o Coulommiers, o queijo que inspirou esta viagem? Este faz parte da família dos brie, conforme explica Isabelle. Ele “se distingue por ser menor e mais grosso, com um gosto mais adocicado".

O brie é produzido no Seine-et-Marne desde o século VII e, dizem, foi o preferido do imperador Carlos Magno e do rei Henrique IV. No banquete de encerramento do Congresso de Viena, que aconteceu no dia 9 de junho de 1815, cerca de 60 tipos de queijos europeus diferentes foram servidos. O brie de Meaux foi eleito o Rei dos Queijos pelos diplomatas e nobres presentes.

Apesar dessa notoriedade, Isabelle lamenta que a produção de queijo na região tenha diminuído. Isso porque os fazendeiros estão abandonando a criação de gado leiteiro e investindo em culturas mais rentáveis.

— Atualmente, eles formam um grupo pequeno de 12 fazendas que produzem queijo com leite tirado na própria propriedade — conta ela. — A maior parte do brie francês é produzida com leite pasteurizado, por isso, ele nunca alcança um sabor mais acentuado, já que as bactérias naturais que amadurecem o queijo morrem nesse processo. Brie de Meaux e brie de Melun só podem ser feitos com leite produzido no Seine et-Marne.

Nas caves de envelhecimento, Isabelle nos aconselha a sempre comer la croute fleuri, a crosta branca do brie, que se desenvolve quando o fungo penicillium cresce sobre a superfície do queijo coberta com sal.

— Tem muito sabor e é bom para você!

Ela estava certa, é claro. A casca concentra o sabor do queijo. Nós prosseguimos com um fino brie de Meaux; depois com um briethat temperado com uma camada fina de sementes de mostarda, acompanhado por uma bela fatia de presunto, e, em seguida, brie noir, um queijo com 1ano e crosta quebradiça. Ele tinha uma textura gelatinosa, mas não desagradável, e um sabor leve de caramelo, palavra que também descreve sua cor.

— Antigamente nós comíamos brie noir no café da manhã — diz Isabelle — Você corta um pedacinho e mergulha no café.

ST-OUEN-SUR-MORIN REÚNE CLIMA MEDIEVAL E COMIDA CASEIRA

Os amigos que haviam nos emprestado sua casa de campo, na viagem feita dois anos antes, nos recomendaram sua pousada favorita. Então, depois de uns 15 minutos de carro em meio à uma tempestade, nós chegamos ao Auberge de la Source, na aldeia de Saint-Ouen-sur-Morin. O lugar, que daria um belo um cartão-postal, é o tipo de endereço que você sonha em encontrar no interior da França: uma estalagem à moda antiga com confortos modernos, hospitalidade encantadora e comida simples, mas deliciosa. Nós dividimos uma enorme costeleta de vitela grelhada com creme de cogumelos e uma variedade de três excelentes queijos bries: de Meaux, Melun e Provins.


Brie de Meaux é um dos dois tipos do queijo que possuem o selo AOC
(Appellation d´Origine Controlée)

Enquanto conversávamos com Laurent Tizio, o proprietário amigável da pousada, durante o café da manhã do dia seguinte, ele disse:

— O brie é um daqueles produtos que ficam melhores quando saboreados nos lugares onde foram feitos.

Eu concordei e, quando mencionei minha paixão pelo L’Explorateur, o queijo triple-crème com o logotipo do foguete que eu havia provado quando era criança, ele insistiu em nos mostrar a fábrica desativada da marca em um vale verdejante. Atualmente, L’Explorateur é produzido em outro endereço da região do Seine-et-Marne.

— Ele foi criado em 1958 e nomeado em homenagem ao primeiro satélite americano, o Explorer — conta Tizio, resolvendo um mistério de 40 anos.

Seguimos até o final da estrada, onde visitamos o interessante Museu de la Seine-et-Marne para ver uma antiga coleção de ferramentas usadas para a fabricação de queijo. O acervo inclui pelles à brie de madeira, que são pás especiais utilizadas para a coalhada, obrigatórias na produção de Brie de Meaux.

Dirigindo-se pelas estradas vicinais, em meio às planícies onduladas do Seine-et-Marne, chegamos à aldeia de Choisy-en-Brie para um bom almoço caseiro com alho-poró marinado, cordeiro com feijão flageolet e mais brie, bien sûr, no Au Bec Fin, um restaurante simples e acolhedor, com excelente comida.

Depois de uma visita à bela cidade medieval de Provins, com suas imponentes fortificações protegidas pela Unesco, nossa última parada antes de voltarmos para Paris foi Le Domaine des Trente Arpents, uma bela fazenda em Favières, de propriedade do barão Benjamin de Rothschild, onde, são produzidos alguns dos melhores queijos do Seine-et-Marne.

Lá compramos um brie de Meaux, um Coulommiers e um Tomme Fermière, um queijo de leite de vaca semimacio, que eu havia encomendado na manhã do dia anterior, pelo telefone. Para mim, as melhores lembranças são sempre as que são comestíveis.

SERVIÇO

Onde dormir:

Auberge de la Source: Diárias a partir de € 99. A pousada tem cinco quartos, três suítes (a partir de €130), piscina e jardim. Para jantar, o restaurante oferece dois menus com preços razoáveis. Place St. Barthélémy 8, Saint-Ouen-sur-Morin. Tel. 01.60.24.80 61. www.aubergedelasource.fr

César Hotel: Diárias a partir de €115. Tem 27 quartos estilosos e recentemente renovados. Está localizado em uma região animada. Rue Sainte-Croix 13, Provins. Tel. 01.60.52.05.20. www.lecesarhotel.com/en

Onde comer:

Au Bec Fin: O menu muda com frequência. O almoço para duas pessoas custa, em média, € 50. Place de l’Eglise 1, Choisy-en-Brie. Tel. 01.64.03.19.97.

Les Bistrophiles: Bom bistrô. Um jantar para duas pessoas custa em torno de € 70. Rue du Val 44, Provins. Tel. 01.64.01.46.94.

La Ferme Jehan de Brie: Excelente loja de queijos, com tipos raros e uma variedade grande de laticínios do Seine-et-Marne. Place du Marché 15, Coulommiers. Tel. 01.64.03.06.49.

Passeios:

Fromagerie Ganot: Boa loja de queijos e oferece visitas guiadas pelo pequeno museu e pelas cavas de envelhecimento. Também tem degustação de queijos. Rue Cécile Dumez 4. Sábados às 16h30m, com guias apenas em francês. Tel. 01.60.22.06.09. www.fermes-brie.r/visites_degustations 

Musée Départemental de la Seine-et-Marne: Aberto nas manhãs de domingo, segunda, quarta, quinta e sexta-feira. Avenue de la Ferté-sous-Jouarre 17, Saint-Cyr-sur-Morin. Tel. 01.60.24.46.00. www.musee-seine-et-marne.fr

Fotos:
Sandro di Carlo / The New York Times"

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