"Rive Gauche" passa o dia-a-dia de Paris e da França, com estilo leve, distraindo e levando o leitor à um passeio pela Cidade Luz e seus arredores. Nasceu como uma coluna dominical publicada no Jornal do Brasil e depois migrou para dois sites com atualizações semanais, o www.investimentosenoticias.com.br e o www.annaramalho.com.br e, além disso, conta com atualizações neste blog e no Facebook.
quinta-feira, 31 de outubro de 2013
Há 59 anos começava a Guerra da Argélia
Há 59 anos, no dia 31 de outubro de 1954, começava a guerra pela independência na Argélia que lutaria contra as tropas de ocupação da França por sete anos e que causaria a morte de mais de 260 mil pessoas.
Os primeiros disparos foram ouvidos na noite de 31 de outubro para 1º de novembro de 1954. Jovens argelinos, integrantes da até então desconhecida FLN (Frente de Libertação Nacional), iniciavam assim a luta para acabar com o domínio francês, que começara através da invasão do norte da África em 5 de julho de 1830, consolidando-se nos 17 anos seguintes. Num panfleto, os rebeldes conclamavam à criação de um Estado independente na Argélia, cujo sistema social deveria ser uma mescla de social-democracia e islamismo e que garantisse também direitos iguais a todos os cidadãos.
Sempre existira insatisfação popular quanto ao domínio francês na Argélia, pois uma minoria europeia imperava sobre a maioria do povo argelino, constituído de árabes e berberes. No correr dos anos, os franceses começaram a tratar a colônia norte-africana como se fosse uma parte do território da França e os argelinos, como estrangeiros no próprio país. Foram feitas inúmeras tentativas de impor a igualdade de direitos entre europeus e muçulmanos, mas sempre sem êxito duradouro.
Por exemplo, no ano de 1947. A Assembleia Nacional, em Paris, aprovou um estatuto para a Argélia, no qual a colônia foi definida como "um grupo de províncias com caráter urbano, autonomia financeira e uma organização especial". O que isto significava, ficou claro na constituição do Parlamento argelino: divididos em dois grupos numericamente iguais, os 120 deputados representavam, de um lado, os 370 mil colonizadores europeus e os 60 mil argelinos assimilados e, do outro, a grande maioria de cerca de 1,3 milhão de árabes e berberes.
Concessões
Mas foram introduzidas também algumas concessões aos muçulmanos argelinos: eles podiam viajar à França em busca de trabalho e, lá, podiam professar livremente a sua religião. Além disto, foi permitido oficialmente o ensino do idioma árabe na Argélia.
O documento não conseguia ocultar que teria prosseguimento a discriminação da população da Argélia e isto ficava ainda mais claro no dia a dia argelino. A insatisfação crescia. Tanto mais quanto maior o número de países árabes a se livrarem do jugo dos europeus e a conquistarem sua independência nacional.
A resistência começou a aparecer paulatina e cautelosamente. Um primeiro sinal de alarme para os franceses ocorreu em 1950, com um assalto ao correio central de Oran, comandado por Ahmed Ben Bella. O líder rebelde argelino tinha servido no Exército francês durante a Segunda Guerra Mundial, como muitos dos seus compatriotas, tendo sido altamente condecorado pelas suas ações nos campos de batalha da Itália. Ben Bella transformou-se na figura símbolo da luta argelina de libertação e foi, posteriormente, o primeiro chefe de governo da Argélia independente.
Inicialmente, porém, a repressão francesa da rebelião ficava a cada dia mais cruel. Depois dos primeiros disparos de 31 de outubro de 1954, milhares de argelinos foram presos. A maioria deles nada tinha a ver com a FLN e sua luta. Os franceses continuaram cometendo os mesmos erros: as tentativas de concessões aos argelinos sempre foram muito modestas e vieram tarde demais.
Ódio
Mas todas as manifestações antifrancesas eram punidas com extremo rigor. Com isto, o ódio dos argelinos tornou-se sempre mais profundo, chegando ao auge quando o Exército francês na Argélia foi reforçado com 500 mil homens. Isto – e a pressão da FLN sobre muçulmanos hesitantes – consolidou a frente da rebelião.
A situação ficou ainda mais tensa quando a Tunísia e o Marrocos conquistaram a independência, mas a França continuava enviando os líderes argelinos para a prisão. Houve massacres dos dois lados e, muitas vezes, a iniciativa partia dos próprios colonizadores franceses, apelidados de pieds noirs ("pés negros"), que temiam que o governo parisiense acabasse abrindo mão da Argélia. Os colonizadores rebelaram-se duas vezes, mas acabaram não podendo impedir que ocorresse aquilo que temiam.
Na França, a rebelião argelina acabou levando Charles de Gaulle de volta ao poder: em 1958, ele decretou maiores direitos para os cidadãos muçulmanos da Argélia e, um ano depois, já falava do direito da Argélia à autodeterminação. O resto foi uma questão de tempo: a França iniciou as negociações com a FLN em 1961, depois que seus líderes foram libertados das prisões.
Na primavera europeia de 1962, foi acertado um plebiscito, realizado a 1º de julho. Seis milhões de argelinos votaram a favor da independência e apenas 16 mil foram contrários a ela. Em seguida, os políticos argelinos assumiram o poder em Argel e a maioria dos europeus deixou o país.
(Artigo original publicado pela Deutsche Welle em 31.10.2013)
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