sábado, 4 de abril de 2015

Desemprego nos subúrbios de Paris evidencia décadas de fracassos



A localidade de Clichy-sous-Bois, epicentro das manifestações que agitaram a França dez anos atrás, renovou boa parte de seus imóveis públicos, construiu novas escolas e creches e instalou uma piscina pública. E, finalmente, tem uma delegacia de polícia. O que ainda falta na cidade de 31 mil habitantes são empregos: a taxa de desemprego entre os jovens é de 40%.

Os problemas das banlieues — ou subúrbios —, como Clichy-sous-Bois, estão de novo no radar das autoridades após as mortes no semanário “Charlie Hebdo”, em janeiro, pelas mãos de três jovens criados nesses lugares. Desde 1973, quando o então presidente Georges Pompidou ordenou o fim da construção de torres residenciais iniciada após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), todos os governos tiveram um “plano banlieue”. E, para vergonha do país, nenhum deles foi bem-sucedido.

— As banlieues são, indiscutivelmente, o maior problema que a França enfrenta atualmente. São o atestado de uma estratégia fracassada de meio século de planejamento urbano e de gestão da comunidade — disse Jim Shields, chefe de estudos franceses da Universidade de Aston, em Birmingham, Inglaterra. — A grande soma de dinheiro público destinada a essas localidades para melhoria da infraestrutura só trata os sintomas, não a raiz.

Embora a França não tenha estatísticas com base em raça ou religião, as banlieues que circundam as grandes cidades têm uma porcentagem maior de imigrantes e muçulmanos que o restante do país. O primeiro-ministro, Manuel Valls, disse no dia 20 de janeiro que um “apartheid territorial, social e étnico criou raízes na França”.

TAXAS DE DESEMPREGO

A crise econômica da França e o desemprego recorde atingiram mais duramente os jovens e os menos favorecidos, prejudicando os esforços do governo para melhorar a vida nos bairros carentes. Clichy-sous-Bois, localizada em um planalto com vista para o norte de Paris, mas sem uma estação de trem, tem uma taxa de desemprego de 22% —mais de duas vezes a média nacional. Seu centro de empregos lista apenas 231 aberturas de postos de trabalho na área, que tem uma população de 284 mil habitantes.

— A situação está pior do que era há 10 anos — disse Mohammed Chirani, consultor político que foi nomeado adjunto do prefeito no governo regional de Clichy-sous-Bois após as manifestações de 2005. — Existe um desemprego massivo e nenhuma perspectiva para os jovens.

Nesta semana, foi iniciado o julgamento dos dois policiais cuja perseguição levou dois jovens, um árabe e um negro, a terminarem eletrocutados em Clichy-sous-Bois em outubro de 2005. Essas mortes desencadearam as manifestações. A polícia foi declarada inocente em 2011, mas um tribunal de apelações reverteu a decisão em setembro de 2013 e ordenou um julgamento.

TOQUE DE RECOLHER

A eclosão de manifestações em todo o país, em 2005, deixou quase 9 mil carros queimados e levou o então presidente Jacques Chirac a recorrer a uma lei de 50 anos que permite toque de recolher e restrições a reuniões públicas para restaurar a calma.

Cerca de 4,4 milhões, ou cerca de 7% da população, mora nas chamadas zonas urbanas sensíveis (ZUS), onde 60% dos imóveis são públicos, o salário médio é a metade da média nacional e quase um terço dos moradores têm pai ou mãe nascido no exterior, contrastando com uma fatia de 10% em todo o país.

Na região parisiense, 1,3 milhão de pessoas moram em uma ZUS — parte de uma sopa de letrinhas de designações que incluem as ZFUs (zonas de livre comércio urbano, na sigla em francês), ZRUs (zonas de redinamização urbana) e ZEPs (zonas de educação prioritária).

O presidente François Hollande anunciou no ano passado que todas essas zonas serão substituídas por 1.300 “localidades prioritárias”, que incluem 200 com necessidades particularmente críticas. O governo investirá € 5 bilhões ao longo de 10 anos com o objetivo de desencadear um investimento total de € 20 bilhões. Como comparação, a França gasta € 31,4 bilhões por ano em defesa.

Segundo a Bloomberg News, um estudo deste mês da France Stratégie, órgão de pesquisas econômicas do governo, apontou que a taxa de desemprego entre os jovens de ascendência africana era duas vezes maior que a dos descendentes de franceses ou europeus. Embora parte da diferença se deva ao grau de escolaridade menor, o relatório mostrou que uma parcela disso é resultado de práticas discriminatórias de contratação.

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